18 agosto 2014

Sobre a moda feminina

Texto 1
Permitam-me algumas hipóteses sobre o vestuário feminino urbano-público na cidade de Maputo, na expectativa de que me corrijam. Por regra, as jovens têm nas jeans o seu símbolo identitário indiferenciado, ficam "todas iguais", ao que acresce o cabelo importado da Índia ou as mechas. Naturalmente que o celular ou a tablete é o fecho da abóboda. Quando chegam aos 40/50 anos, quando perdem o viço da juventude e engordam, começam a recorrer aos vestidos pesados, de cores quentes (azul, vermelho, verde). Raramente a capulana - frequente nas zonas periurbanas e rurais - é parte habitual do vestuário público. Em casa, em zona familiar, parece que sim, mas não tenho qualquer ideia sobre a frequência disso. Porém, quando chegam a ministras ou a deputadas, por exemplo, mulheres há que se dedicam a reforçar a sua africanidade, como se - para adaptar Wole Soyinka - como africanas precisassem mostrar que o são. Daí o recurso a lenços espampanantes na cabeça, a capulanas preparadas para causar efeito óptico imediato, tudo, enfim, para ostensivamente causar impressão e permitir entrada nas fotos jornalísticas. O que pretendo dizer é que a moda com raízes africanas, em toda a sua versatilidade - aí compreendido o penteado -, não é parte integrante generalizada dos recuros femininos urbano-públicos da cidade de Maputo, essa moda que encontramos nas mulheres da África ocidental.
Texto 2
Tenho para mim que as mulheres mais belas e melhor vestidas de África são as senegalesas. Quantas vezes, no aeroporto Charles de Gaulle, em Paris, eu me sentava esperando os passageiros oriundos de Dakar, via Air Africa! E lá vinham elas, as mulheres, andar lento, íntimo e doce, ao mesmo tempo feminino e dominador, vestidas com maravilhosas capulanas, com turbantes não menos maravilhosos, sorrindo sempre, uma espantosa síntese das culturas africana e árabe. E, coisa sublime, se todas me pareciam sempre iguais no fino traço de serem belas e belamente vestidas, cada uma se distinguia sempre das outras no vestir, pelo modelo da capulana, pelas cores, pelos motivos estampados. Nada de excesso, tudo etéreo, tudo de um bom gosto exemplar. Penso que em Moçambique as mulheres que mais se aproximam de senegalesas são as de Pebane, na costa. Se me perguntarem com que dados, variáveis e medidas faço semelhante tipo de afirmações, respondo-vos que, de vez em quando, tenho o direito de trocar a razão pela emoção e, finalmente, de defender os meus postulados estéticos, rigorosamente anti-estatísticos.
Texto 3
Sejam quais forem as suas modalidades modernas, a capulana de Moçambique mais não é, em meu entender, do que uma descendente do antigo bertangil (ou bertangim), tecido de algodão vermelho e azul fabricado na Índia (Surate, Cambaia, Diu e Damão), que serviu, até, como moeda. O protótipo da capulana é anterior ao século XIX e creio que começa a afirmar-se na segunda metade do século XVIII. Todo o comércio colonial em Moçambique assentava em dois artigos básicos: o chamado pano (mais tarde bertangil, vindo da Índia) e a missanga (especialmente vinda de Veneza na gestão colonial portuguesa). A actividade mercantil ligada aos tecidos, na sua extensão e profundidade, foi sempre menos actividade de Portugueses, do que de Indianos. Por hipótese, foram os tecidos indianos que contribuíram para a decadência da indústria local das famosas machiras zambezianas, panos de fio grosso (por vezes também fino) fabricados a partir de algodão localmente cultivado, estando a fiação e a tecelagem a cargo dos homens ainda no século XIX.

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