04 fevereiro 2014

Espírito do deixa-falar (10)

Membros da equipa, da esquerda para a direita nas caricaturas em epígrafe: Sónia Ribeiro, moçambicana, professora de Biologia, Bairro Sansão Muthemba, cidade de Tete; Carlos Serra, moçambicano, coordenador, Bairro da Polana, cidade de Maputo; Geraldo dos Santos, moçambicano, historiador, Bairro da Malhangalene, cidade de Maputo; Félix Gorane, moçambicano, advogado, Bairro do Macúti, cidade da Beira; Joseph Poisson, francês, farmacêutico, Rue des Écoles (quarteirão latino), cidade de Paris.
Geraldo dos Santos: aqui me tendes novamente. A partir de 1992 a Renamo iniciou a passagem de frente guerrilheira para partido político. Uma transição assaz difícil, diga-se em abono da verdade, ainda não terminada. Um conjunto de circunstâncias com dimensões diferentes tem perturbado enormemente a passagem da Renamo a partido político, no sentido de ter um porte inteiramente urbano, lutando com votos e não com armas. Em primeiro lugar, a desconfiança de muito anos em relação ao comportamento dos guerrilheiros e dos seus chefes. O estigma ainda hoje se mantém em vários quadrantes: eles são bandidos, eles são terroristas, dizem alguns em jornais e na Assembleia da República. Provavelmente por preverem o desconforto do estigma e da ameaça física, guardaram e protegeram muitas das armas e munições que tinham. Em segundo lugar, a sistemática recusa das suas propostas parlamentares, cujo conteúdo tem sido sempre ignorado em favor do estigma mencionado. Em terceiro lugar, as irregularidades eleitorais, constantemente denunciadas pela Renamo e, até, por observadores e organizações estrangeiras, sem que tivessem sido corrigidas em suas partes fundamentais. Em quarto lugar, a perseguição e a criminalização de vários dos seus membros ao longo destes anos. Em quinto lugar, uma aspiração tenaz a a benefícios sociais, seja no topo da hierarquia, seja na base onde estão os guerrilheiros à espera de integração, por exemplo, nas fileiras da polícia e das forças armadas. É o conjunto dessas cinco situações que explica o renascimento guerrilheiro da Renamo. Respeitosos cumprimentos. Geraldo
Carlos Serra: está bem, Geraldo. Então, tem sentido a observação da Sónia no sentido de que a Renamo ainda guarda muitas das suas sequelas de guerra, o "músculo guerrilheiro", como ela escreveu. Será possível admitir que um país seja sempre refém do protesto belicista? Abraço. Carlos
Geraldo dos Santos:  Uma coisa é o estudo por assim dizer "frio" dos fenómenos, da sua estrutura, o estudo por assim dizer clínico, não emocional. Uma outra coisa é o estudo moral e moralizador das coisas, o estudo do que as coisas deviam ser ou o estudo das coisas que achamos boas ou más. Aqui o que tento fazer é o estudo frio. Aliás, estas ideias são também as suas, Amigo Carlos. Ora, o que a Sónia e o Poisson propõem é o estudo emocional, o estudo moral das questões e da vida. As coisas podem tornar-se moralmente boas se soubermos resolver questões de facto. Respeitosos cumprimentos. Geraldo 
Sónia Correia: muito bem, como professora de Biologia entendo tudo o que o Sr. Geraldo dos Santos diz, mas acontece que não estamos aqui a discutir a biologia molecular ou a histologia. Estamos a falar do comportamento humano e este comportamento humano não é estrangeiro à moral. É a moral que deve comandar a vida. Beijinhos aqui da terra do Zambeze e do carvão. Sónia
Carlos Serra: Está bem, Sónia. Mas não pertence também à Biologia o ramo da Etologia, que hoje presta muita atenção ao comportamento humano como ser biológico também, como ser animal também, como ser capaz de uma agressividade extrema? Abraço. Carlos
Geraldo dos Santos: meus Queridos Amigos, parece que a situação temática se complica e entra por caminhos que não previa. Estais agora a querer dizer que a Renamo deve sair do plano social e entrar no ramo animal etológico, no estrito ramo bio-animal, geneticamente produzida para matar? Respeitosos cumprimentos. Geraldo.
(continua)
Adenda: a série pode também ser consultada na minha página da Academia.edu, aqui; sobre como nasceu este deixa-falar, confira um texto do Geraldo dos Santos, aqui.

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