20 janeiro 2014

Espírito do deixa-falar (8)

Membros da equipa, da esquerda para a direita nas caricaturas em epígrafe: Sónia Ribeiro, moçambicana, professora de Biologia, Bairro Sansão Muthemba, cidade de Tete; Carlos Serra, moçambicano, coordenador, Bairro da Polana, cidade de Maputo; Geraldo dos Santos, moçambicano, historiador, Bairro da Malhangalene, cidade de Maputo; Félix Gorane, moçambicano, advogado, Bairro do Macúti, cidade da Beira; Joseph Poisson, francês, farmacêutico, Rue des Écoles (quarteirão latino), cidade de Paris.
Geraldo do Santos: vamos então continuar. Os interesses estratégicos e regionais da Rodésia do Sul (orimeiro) e da África do Sul (depois) alavancarem a raiva dos refugiados moçambicanos e moldaram o nascimento da Renamo. A Renamo é, portanto, fruto de duas lógicas. Na luta política local tornou-se corrente em certos quadrantes destituir a Renamo da sua matriz moçambicana dando apenas relevo à matriz estrangeira da sua criação, incluindo alguns dos seus dirigentes iniciais. A guerra civil que surgiu em Moçambique teve inegavelmente o controlo permanente da Rodésia do Sul primeiro e da África do Sul depois. Mas eram moçambicanos aqueles que andavam na mata. Ainda não acabei. Respeitosos cumprimentos. Geraldo
Sónia Ribeiro: olhe lá, Geraldo, longe de mim a intenção de pôr em causa a sua competência no estudo das fontes históricas, mas o facto de serem moçambicanos os guerrilheiros da Renamo não retira, um milímetro sequer, a verdade de que a guerrilha era apenas uma sistemática política de terra queimada, um completo programa de destruição do país, um trágico plano de maldade e de terror. Isso deve ser permanentemente ressalvado, mas não caírmos na tentação da "branquear" o programa e os efeitos da chamada "guerra civil" e transformar em democratas os artífices do terror. Aqui também há coisas a ter em conta. Guerra civil como? Apenas porque eram moçambicanos os braços que matavam e queimavam? Todo o programa de preparação e encaminhamos militar dos rodesianos e dos sul-africanos fica fora da centralidade dos fenómenos? E o facto de a Renamo gostar hoje de dizer que pertence ao campo da direita política? Beijinhos aqui da terra do Zambeze e do carvão. Sónia
Joseph Poisson: Mesdames e Messieurs é preciso faz favor de ne pas oublier jamais que as guerres sont no vosso sangue. A guerra que aujourd´hui vos aflige à nouveau é seulement a continuidade do sangue guerreiro que vous pertence. La Renamo é a tradução réelle de Ogum, tout à fait Ogum. Devia chamar-se "Resistência Nacional de Ogum". Alors, tal como les plantas têm a polinização das flores assurée pelos insectos que as visitam buscando néctar et pólen, M. Santos tem a sua epistemologia assurée pelos documents que polinizam doucement suas predileções exécrables pela Renamo-Ogum. Amitiés. Joseph
Félix Gorane: sabem, meus amigos, esse cavalheiro Poisson devia dedicar-se exclusivamente aos fármacos e deixar-nos, a nós Africanos, em paz. Esse cavalheiro é claramente racista. Como costuma dizer o Geraldo, ainda não acabei. Tenho dito por hoje. Cumprimentos. Félix.
(continua)
Adenda: a série pode também ser consultada na minha página da Academia.edu, aqui; sobre como nasceu este deixa-falar, confira um texto do Geraldo dos Santos, aqui.

3 comentários:

Unknown disse...


"(...) mas o facto de serem moçambicanos os guerrilheiros da Renamo não retira, um milímetro sequer, a verdade de que a guerrilha era apenas uma sistemática política de terra queimada, um completo programa de destruição do país, um trágico plano de maldade e de terror."

A Sónia (posso tratá-la assim?!) está muito equivocada.

Faz um comentário muito acutilante que não condiz com a verdade.

Aliás, este tipo de reflexão, que beatifica apenas um lado e incinera outro, não interessa a História.

Está a dizer, em outras palavras, que o surgimento da Renamo significa a eterna colonização do país, porquanto trata-se de um “embrião” estrangeiro que desencadeou “uma sistemática política de terra queimada.”

Há aqui uma tendência muito clara de apagar o passado e de designar réus.

Quero lembrar a Sofia duas coisas: a primeira que não existe um conflito armado que não tenha uma qualificação dos interesses dominantes, quer externos como internos (« todo o sistema é contra seu próprio organismo »). Nesta conjuntura, a Renamo tinha que existir. Não como diabo das sinagogas, mas como pêndulo de Deus que procurava e ainda procura equilibrar a balança da justiça. Não foi por acaso que o povo abraçou a sua causa e a Frelimo assumiu-se como partido democrático. Exume os factos, pois podem esclarecê-la.

Em segundo lugar, não conheço um processo histórico sem vítimas. Não se conquista uma causa, uma independência, nem a liberdade com rebuçados. Este é o mal dos homens, que nasce com a História, não há marreta que nos endireite.

A própria FRELIMO representou, durante a luta de libertação nacional os interesses dominantes. Não é por isso que se deve acusá-la de diabo.

Sempre foi assim e continuará a sê-lo : « Em história as ideologias não passam de espumas. O que está em causa é o paradigma do poder, a dicotomia entre os paradigmas do poder. Não há nem bom nem mau poder, o que há são poderes diferentes. »

A Renamo exerceu o seu poder contra um poder instituído. Isto aconteceu em toda a parte do mundo.

Se realmente quiser ser justa nas análises que faz sobre a Renamo deve, antes de mais, recuar no tempo e contextualizar a situação política do país logo a seguir a independência nacional.

Para uns, como a Sónia, dirão que a situação do país representava uma “cólica da época”, mas para outros, como eu, diremos o contrário, que tratou-se de uma negação do outro.

O que era bom para a Frelimo, não era para a Renamo, e lembre-se « A realidade não é real. A realidade é social. O que é bom para uma cultura pode não ser bom para outra.”

Continuo mais tarde.

Zicomo

Unknown disse...

Escrevo à velocidade da Lurdes Mutola, alguns erros ortográficos nos comentários terão que ser perdoados.

Diria o meu velho amigo que "(...) quando o fundamental numa noiva é ter juízo, algumas borbulhas podem ser perdoadas. Escrever nem sempre é caminhar numa avenida recta. Covas e curvas não faltam, incluindo as dificuldades próprias de quem caminha. Quando o que nos preocupa é ter filho, a discussão sobre a beleza do mesmo passa para outro modulo."

Zicomo

Zicomo

nachingweya disse...

A teoria da mão externa ofusca muitas vezes o entendimento sobre os nossos fenómenos sociais. Já Salazar e o seu regime diziam que eram os chineses e os russos os mentores das guerrilhas no Ultramar quando afinal eram as guerras de libertação das ex colonias portuguesas.
Todas as causas precisam de apoio para se afirmarem e o que os Rodesianos e Sul Africanos de entao fizeram não foi mais do que aproveitarem a predisposição de uma parte do povo moçambicano para se libertar da hegemonia de um partido tornado estado para tambem favorecerem os seus interesses. O resultado é a Renamo que, quer queiramos quer não, é nossa (talvez mais nossa que a quase canadiana Cahora Bassa), é moçambicana de moçambicanos.
Não vale dizer que muitas atrocidades foram cometidas em determinados contextos. A justiça pode ser retroactiva. Os assassinatos de Simango, Kavandame, Joana Simeao, padre Guenjere e muitos outros moçambicanos constituem o genoma da Renamo.
E sim, há qualquer coisa de sanguinária em nós africanos.