10 janeiro 2012

Sobre a qualidade do ensino em Moçambique (37)

"Eu mesmo tenho frequentemente lembrado que, se existe uma verdade, é que a verdade é um lugar de lutas." (Pierre Bourdieu)
O penúltimo número da série, de tema complexo e delicado, trabalhando com o sumário proposto, rigorosamente apenas lançando ideias e hipóteses, procurando continuamente problematizar um tema que requer pesquisa aprofundada.
7. Conclusões.  Durante vários números procurei problematizar um fenómeno de uso corrente no nosso vocabulário e nas nossas preocupações diárias: qualidade do ensino. Chegou a hora de procurar concluir.
Termino mais tarde. Crédito da imagem aqui.
(continua)
Adenda: "Os debates nos meios de comunicação sobre a qualidade da educação parecem sofrer da “síndrome do cobertor curto”: quando se puxa a reflexão para um lado, esquece-se outros lados do problema. Já dizia o velho Hegel que a verdade é o todo. Parece uma casa em reforma em que se acredita que o problema está apenas no encanamento: troca-se o encanamento, mas o chuveiro continua não funcionando direito. Então, coloca-se de novo o encanamento antigo e troca-se a fiação elétrica. De novo, o chuveiro não funciona. Volta-se a fiação antiga, e vai se consertar o telhado, etc. Depois, alguém dá o veredicto de que a casa não tem jeito, que resiste às mudanças..." - texto do brasileiro Celso Vasconcellos intitulado "O desafio da qualidade da educação", sugerido por Manuel Lobo, aqui.

11 comentários:

Anónimo disse...

"Na província de Nampula, Funcionários da Educação vendem vagas aos candidatos a docente" in Canal de Moçambique, nº620 de 10/01/12,

Se tratam assim aos professores à entrada, como esperam que eles tratem de outra forma os alunos para a entrada e saida (para a matricula e para passar de classe?).
E, neste caso, para quê trabalhar?

Marta disse...

Toda a gente se queixa do péssimo ensino, mas que decisões se tomam para inverter o cenário?

Salvador Langa disse...

E acham que o ensino à distância vai resolver problemas? Acham mesmo?

ricardo disse...

Quem venham dai as conclusoes do sr. Professor. Agora, decisoes?!...

Quem decide sao os que governam. Nos, os governados, opinamos. Assim tem sido. Desde sempre. O que deveria ter sido perguntado e se eles escutam (ou leem) o que temos escrito aqui. E deles retiram as devidas ilacoes.

O que me parece e que escutam mais orientacoes dos doadores e leem manuais do BM e FMI.

SAO VERDADEIROS "TRUE BELIEVERS"!

TaCuba disse...

O problema sempre se resume a acomodar mais alunos...alunos têm pais...pais votam...logo acomoda-se e prontos, isso basta...

Anónimo disse...

Simples: numa recentemente edição, o País publica um gráfico com a distribuição das verbas do OGE/2012, donde destaco:
1. Ministério do interior: 40%
2. Ministério da saúde: 15%
3. SISE: 9%
4. Casa Militar PR: 5%
5. Ministério da Educação: 4%
6. Ministério da Agricultura: 1%
7. Outros: 41%

Por esta distribuição se vê a importância que o Governo dá à Educação e à produção de comida.

Tudo mudaria na Educação se fosse dotada com o que o SISE e a Casa Militar vão receber: sem ovos não se fazem omoletes!

ricardo disse...

Nao gostaria de ser advogado do diabo. Mas suspeito que por detras da actual composicao do OGE, que alias se acentua com o consulado de Guebuza, estao questoes politicas de alguma profundidade, que tentam equilibrar os interesses da FRELIMO e dos paises que investem ca. Visto que:

1- Ha um forte investimento no aparelho repressivo e dissuasor, MAS garantindo-se que o mesmo esteja assegurado "against all odds" nas receitas internas de Mocambique;

2- A agricultura e a educacao sao marginalizadas porque o Governo e os doadores PARTILHAM hoje a mesma visao de reforco da iniciativa privada naqueles sectores, logo a tendencia e cada vez mais reduzir este fluxo financeiro. E argumentos estatisticos para sustentar a sua posicao e que nao faltam, inclusive o numero de faculdades e cursos superiores actualmente existentes em Mocambique, nos quais, nunca faltaram candidatos. Uma cortina de fumo muito bem construida e alimentada pelos think-thank habituais. Mas note-se, so a titulo de curiosidade, Mocambique possui hoje mais universidades que a Coreia do Norte, mas o indice de analfabetismo na Coreia do Norte e de menos de 1% e o numero de escolas tecnico-profissionais incontavel;

3- Quer-me tambem parecer, e com alguma dose de chantagem politica a mistura, que a FRELIMO querera convencer os doadores que Mocambique encontra-se numa posicao de TUDO ou NADA. Isto e, ou os doadores reforcam o OGE com verbas necessarias para responder as "reais" necessidades da Educacao e Agricultura, ou entao, irao aqueles ter que desactivar a "bomba atomica" social que se criara com a exclusao fomentada pelas politicas referidas em 2, do acesso ao ensino medio e superior; a mumificacao do ensino basico; a expropriacao oficial ou oficiosa de terras aos camponeses por investidores do papel, bio-combustiveis, imobiliario e outros. E uma jogada maquiavelica a boa maneira marxista. Mas nao se trata de algo que ja nao tenha sido feito no passado. Recordemo-nos como a FRELIMO conseguiu ate hoje gerir os EFEITOS da guerra civil em Mocambique;

4- E por fim, por uma questao de observacao atenta, Mocambique capitulou perante os interesses dos investidores. No caso da agricultura, aceitou tacitamente que entrem por ai levas de estrangeiros para cultivar as extensas concessoes alugadas a varios paises do mundo que ha muito procuram ter "soberania alimentar", os quais, por sua vez, exportarao os produtos para seus paises de origem e depois os reexportarao para Mocambique. Ganhando a dobrar e matando a nossa industria. Ora, sem industria activa, para que qualificar os mocambicanos?

5-No caso do ensino medio e superior, Mocambique aceitou tacitamente a invasao de tecnicos estrangeiros que responderao pelos sectores estrategicos do pais. Nunca como antes, se viu tanta privatizacao ou terceirizacao dos interesses do Estado. Preveem-se muitas mais PPPs. E para isso, mocambicanos bem formados sao o elemento neutro da adicao...

Por isso, nao me espantou a actual composicao do OGE.

ricardo disse...

E já agora, notícia de à minutos na STV. A Direcção de Educação da Cidade de Maputo divulgou a lista de professores contractados para 2012. Duas observações. Primeiro, dos cerca de 150 necessários, pouco menos de 120 foram contractados. Segundo, destes todos, nenhum deles é licenciado. Justificação do representante do Ministério do Dr. Zeferino Martins: Não há dinheiro para contratar licenciados!...

Sabe sr. Professor, eu acho que daria um bom bruxo se me dedicasse a adivinhar desgraças...

Carlos Serra disse...

Ricardo, estava aqui a colocar o parecer de um guinense sobre a Guiné quando vi a sua msg. Mas creio que a contratação de pessoas sem licenciatura tem sido prática do ME.

Anónimo disse...

A logica da contratação de professores sem licenciatura é derivada da escala salarial que depende do canudo e nao do trabalho. Por isso o licenciado, mesmo que faça um trabalho no ensino primário tem o salario fixo, de licenciado. E, convenhamos que o trabalho intelectual do ensino primário é menos "puxado" que nos niveis mais elevados de ensino. Continuando com a logica, o dinheiro para a contrataçao é fixo e cada vez mais (relativamente) reduzido - lembro que há aumentos salariais anuais e os que mais beneficiam destes aumentos são mesmo os licenciados. Ora para manter uma certa relação alunos professor, temos que contratar um numero elevado de professores o que não é viavel se os professores forem "caros/licenciados". Também, por mais licenciado que seja um professor, nao fará nenhum trabalho positivo se as turmas tiverem muitos alunos. E o Governo tem que garantir a Educação para todos, sob pena de ser acusado de excluir a certas camadas da população (isto quer a gente goste ou nao goste). Por isso é que se contratam os professores mais "baratos", isto é não licenciados. Mas estes professores são formados e credenciados para leccionarem o ensino primário, pelo que se eles forem afectos a este nivel de ensino, não há grandes riscos de qualidade nestes niveis. Esta é a logica.
Mas o que é mais importante, é que os professores façam o seu trabalho. Que haja supervisão, que haja formação em serviço e haja possibilidades para que os professores possam ter melhor formação para o trabalho que exercem, que haja materiais de ensino de qualidade e em quantidade para que os alunos possam exercitar. Embora o professor seja importante, sem outros ingredientes pouco ou nada poderá fazer. Por isso é importante é encontrar a melhor combinação de ingredientes para que o nosso "cozinhado" fique o melhor possivel, dentro das limitações financeiras que temos. Também é importante que haja mais racionalidade na distribuição dos orçamentos, cortando as despesas menos importantes e aumentando para as areas de investimento futuro. E a Educação é uma delas. (Eu nao estudei o OE 2012 e por isso nao posso opinar muito sobre esse assunto)
Manuel Lobo

ricardo disse...

Penso que a explicação mais lógica é essa. Que também confirma a "pressão" psicológica que a FRELIMO faz junto dos doadores para estes desembolsarem mais verbas para a Educação (e Saúde) supostamente poder incluir mais licenciados no sistema e assim melhorar a qualidade do ensino. E tal como disse, este modus operandi não é novo. Ainda me lembro, muitos anos após o AGP de andarmos a falar de vítimas da guerra de desestabilização para continuar a justificar a cadeia parasitária de negócios - quase sempre no limiar da legalidade - de doações de roupa, comida e outras xicalamidades, quando o que deveríamos estar a fazer era arregaçar as mangas e MOSTRAR ao Povo o que caminho certo para a auto-suficiência e segurança alimentar. Conclusão, anos depois do AGP matámos a indústria transformadora que resistira até então, e domesticámos camponeses para serem vendedores informais. E hoje, tudo e todos vendem alguma coisa neste país. E quando calha, até se vendem uns aos outros, como registámos recentemente com o envolvimento daquele quadro sénior do Partido e Estado na aquisição de uma cabeça humana no distrito de Gondola.

Pois V.Excias acham que o Plano Marshall teria funcionado na Alemanha caso não houvesse pré-disposição natural do Governo alemão em por o seu povo a trabalhar?!

"...Que haja isto...que haja aquilo...e patati, patata...". Eis a fórmula resolvente que justifica a eternização do mesmo problema de base do nosso Ensino. Como se este desejo fosse traduzido na própria vontade (vide a % percentagem do OGE para a Educação) de quem o emite, ou então, na visão mercantilista do Ensino defendida pelos doadores. É o ansiolítico do costume de contarmos com as próprias forças, educação universal e da caça ao canudo. Porque afinal tem sido o CANUDO e não a exigência do saber fazer que ainda determina (dentre vários) a admissão ao maior empregador de Moçambique. Mas lembremo-nos o que o Prof. Serra tão sabiamente nos mostrou em relação aos objectivos desta FORMATAÇÃO do Homem Novo em Moçambique. De como justificações inclusivas, servem muitas vezes para perpetuar objectivos excludentes!...